Não é hora de oba-oba

O momento delicado que vive nossa metrópole demanda um jornal com imparcialidade e com a mente aberta. O Editorial do Estadão não mostrou essas qualidades.

Com muita tristeza li e reli o editorial “Não é hora para aventuras”[0], publicado hoje (22/11/2020) pelo jornal O Estado de São Paulo (pop. Estadão). Primeiro pelo claro acovardamento diante de mudanças sociais e em sequência pela tentativa de invalidar o discurso e propostas apresentadas por um dos postulantes a prefeitura de São Paulo.

Entristece-me o fato de tal editorial querer se esconder atrás de um discurso moderado a ideia da conservação das atuais políticas e meio de gestão pelo qual a cidade passa. Como assinante deste jornal, esperava um editorial mais bem pensado, inclusive o motivo de minha assinatura é justamente um meio de validar e balizar minhas opiniões e fatos com pontos de vista com os quais não concordo. E para esse editorial claramente político e pouco embasado, que declara seu voto no subtítulo e no primeiro parágrafo, e que reforça que apenas um candidato é adequado me parece infantil, em especial ao omitir vários outros fatos que mostram que ambos os candidatos são válidos, e estão de fato em pé de igualdade.

Começo por demonstrar o quão raso são os argumentos: “O momento absolutamente delicado que vive nossa metrópole, bem como o resto do País, demanda um prefeito com alguma experiência e com os pés no chão.”  Sim editorial, precisamos de pessoas experientes, mas quem mais tem experiência a chapa Bruno Covas e Ricardo Nunes ou Guilherme Boulos e Luiza Erundina? Sinto lhe falar, mas reduzir a eleição a apenas ao ocupante da cabeça da chapa é simplista, quando se vota, se escolhe prefeito e vice-prefeito, e mesmo que Boulos seja relativamente novo na gestão pública, Luiza Erundina tem experiência e conhecimento de sobra.  Covas e Nunes são ambos políticos já com um certo tempo de casa, Nunes inclusive é vereador, porém vagamente citado por sua atuação política.

O terceiro parágrafo é quase que a descrição da vantagem do incumbente [1], fazer um bom trabalho é a obrigação de um prefeito, ser bem avaliado é decorrência de seu trabalho. E mesmo que Covas seja bem avaliado por parte da cidade, existem muitas críticas as suas metas e a seus respectivos cumprimentos, como discutido ano passado pela Rede nossa São Paulo com especialistas e políticos de carreira[2]. Porém é preciso ressaltar que o trabalho executado por Covas e sua dedicação ao cargo são impressionantes, seria mais impressionante ter um candidato do PSDB que não aparente que irá abandonar o cargo após um ano de eleito para outra Eleição, Serra e Dória o fizeram no passado.

A cidade de São Paulo já é por muito tempo um dos maiores laboratórios políticos do Brasil, tendo escolhido candidatos novatos (Pitta, Haddad) e velhas raposas (Maluf, Serra), e acredito que muitos de nós paulistanos gostamos de uma boa aventura, inclusive na eleição de 2018 a cidade de São Paulo preferiu Márcio França com um discurso mais social do que o de João Dória.

Em verdade concordo que uma cidade como São Paulo não possa ser gerenciada apenas com entusiasmo, mas o programa de Boulos não é revolucionário, mas sim pragmático em diversos pontos, inclusive os pontos referentes a cobrança de IPTUs atrasados de imóveis sem função social está escrita na Legislatura Municipal, mas estranhamente não é executada de maneira clara por décadas. Se seguir a lei é revolucionário, estamos realmente em tempos estranhos e aventurar-se* é preciso.

A ideia da “superação da ordem capitalista” pode ser lida de diversas maneiras, mas comparar os ideais do PSOL a uma simples “estatização descontrolada” e “irresponsabilidade fiscal” é uma leitura superficial de um dos mais extensos programas políticos já escritos para a cidade. E se eventos recentes não demonstram que precisamos de uma “sociedade radicalmente diferente”, ignora-se os muitos problemas que temos, sejam eles recentes ou não. Escolher um ponto, tarifa zero para estudantes, e apontar como sinais de loucura devassa é inválido, pelo simples motivo que ela pode ser lida também como uma extensão da gratuidade do transporte público (que hoje já envolve crianças de até 6 anos), para todos os jovens. A proposta retirada do contexto obviamente se mostra desequilibrada, pois para todos os pontos há um equilíbrio se decide-se aumentar as despesas (gratuidade no transporte) também tem de se mostrar uma nova fonte de receita (cobrança de IPTUs atrasados de grandes imóveis desocupados).  Em um extenso programa pescar um ou outro  ponto e esquecendo-se que esse plano deverá ser convertido num plano de metas a ser referendado na câmara legislativa é ignorar vários fatos.

Ainda quanto a superação da ordem Capitalista, há uma quase unanimidade entre economistas modernos como Thommas Piketty[3] ou Kate Raworth[4], que mesmo discordando de exatamente qual modelo devemos seguir após a atual fase do capitalismo, a mudança no sistema é necessária, e em quase todos os autores (Nacionais ou internacionais) a redução de desigualdades sociais e uma maior distribuição de renda e terras, assim como uma restruturação das relações de trabalho serão o foco. Inclusive essa é a base do programa dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2030 da ONU, da qual São Paulo participa.

            Apresentado esses contrapontos, espero ter deixado claro o motivo de minha indignação com tal editorial, ainda mais porque um jornal como o Estado de São Paulo escolher um lado baseado em uma leitura tão superficial dos fatos e dos programas, me mostra que tal jornal escolhe defender o status quo, mesmo quando se apresentam novos planos maduros que tentam conciliar o passado com o futuro.

[0]Editorial em questão https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,nao-e-hora-para-aventuras,70003523359

[1] Termo geralmente utilizado em teoria política, e que tenta explicar porque em democracias fortes com eleições regulares, as taxas de reeleição são grandes, e ao passar o tempo criam polarizações políticas.

[2] Para ler mais, e ver como existiram vazios de demandas nos Planos de Metas : https://www.nossasaopaulo.org.br/2019/06/13/para-especialistas-plano-de-metas-de-sao-paulo-tem-metas-insuficientes-e-percentual-de-execucao-nao-corresponde-a-realidade-da-cidade/

[3] Thomas Piketty é autor de O Capital no séc XXI. E Capitalismo e Ideologia

[4] Kate Raworth é autora de Doughnut Economics

*Correção ortográfica feita em 23/11/2020 as 19:31 CET, obrigado @Lunks no grupo do Meteroro – Apoiadores

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